Crítica | Portrait of Jennie (1948)


Usando em suas produções escritores e atores de primeira linha e recursos sem nenhuma limitação, o produtor David O. Selznick inegavelmente fixou seu nome na história do cinema. Concebido como um de seus derradeiros trabalhos, Portrait of Jennie é um filme do gênero fantasia, visionariamente levado à tela grande por Selznick. O longa-metragem inebria o expectador através de uma onírica bruma poética ao convidá-lo a refletir sobre a relação entre o tempo e o espaço, o amor e a arte. Temas metafísicos, por vezes, ignorados.

A estória acompanha Eben Adams, um absorto pintor. O qual, no inverno de 1934, devotadamente a sua arte passa por, segundo suas palavras, “um inverno de espírito, um sentimento terrível de indiferença do mundo”. Desconsolado e igualmente imergido em uma crise financeira, busca, sem sucesso, alguma pessoa ou galeria interessada em suas telas.

Miss Spinney, proprietária de uma galeria em Nova York, como uma mecenas, enxerga o potencial que ele não percebe possuir. Ela compra um de seus quadros ao mesmo tempo em que analisa a forma que o pintor se expressa artisticamente, e profere um veredito: carece de amor.

Ainda atordoado com as duras palavras, Adams põe-se a vaguear pelo parque e lá conhece Jennie, uma instigante jovem que ao falar sobre dias passados transparece uma aura atemporal. Antes de se despedir a moça pede ao artista que pinte um retrato seu. Com o passar dos dias, ainda impactado com esse fortuito encontro, Adams anseia revê-la.

Seguindo pistas que conduzem a Jennie ele descobre que ela morrera muito jovem, anos antes, em um trágico acidente. Ainda assim, o artista que já se encontra entregue àquela sobrenatural paixão busca uma forma de reencontrar sua musa inspiradora. E como um artista grego que necessitando de inspiração sai em uma peregrinação atrás das nove musas, Adams se lança em uma viagem em busca de Jennie.

Jennie é uma personagem elegantemente construída, um espírito que revive momentos de sua vida, mostrando que fora uma mulher com fragilidades, medos e receios. Que acreditou no amor e carregou sonhos dentro de si. Vividamente é interpretada por Jennifer Jones, artista que já possuía o Oscar de melhor atriz principal pela primorosa atuação em The Song of Bernadette (1943). A existência de Jennie é sentida ao percebermos que apesar de sua presença de tela ser menor do que Adams a lembrança que grava no expectador é latente.

Seu par de tela, o pintor Eben Adams, é interpretado por Joseph Cotten que com uma presença marcante e hipnótica exala toda melancolia e sensibilidade presentes em Adams. Jennie encontra nele a possibilidade de continuar viva, uma vez que tendo o seu retrato finalizado, sua passagem por este plano estaria imortalizada através da tinta na tela.

Portrait of Jennie é uma fantasia que corajosamente trata de temas profundamente nobres ao ser humano. Levantando inconscientemente diversos questionamentos. A nossa existência neste plano ecoará em, pelo menos, uma pessoa? O amor é um sentimento limitado ao espaço e ao tempo?

O longa não se propõe a responder a essas perguntas. E nem deveria. Mas deixa claro que toda a busca de Adams por Jennie resultou em um período de maior inspiração, demonstrando que o julgamento de Miss Spinney estava correto, não bastava somente a técnica para Adams fazer diferença em meio a todos os pintores, faltava amor. E quando ele o encontrou, a sua sensibilidade aflorou e a sua arte verdadeiramente nasceu.

A complexidade de tratar de um tema metafísico na sétima arte é notória, afinal, o papel aceita melhor o subjetivo do que os quatro cantos da tela. Em vista disso, em um filme com essa abordagem o diretor se torna o alvo dos holofotes. William Dieterle, foi o nome escolhido por Selznick para materializar o roteiro. Com uma fluida e concisa direção Dieterle, que fizera parte do expressionismo alemão, apresenta a quem assiste a obra, as nuances presentes no texto, despertando empatia com os personagens e a estória apresentada.

Após um encontro concebido pelo destino, Adams deseja captar com o pincel a essência mais profunda de sua encantadora musa. Porém, para alcançar seu objeto o pintor precisa se lançar em uma jornada de autoconhecimento. Com demasiada sutileza a obra audiovisual conduz o espectador às entrelinhas do roteiro, nunca se tornando expositiva e com uma sobriedade que respeita o espectador. 




Ficha Técnica: Título: Portrait of Jennie | Ano: 1948 | Dirigido por: William Dieterle | Produção: David O. Selznick | Duração: 86 minutos


    




















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