Crítica | Dirizhyor (2012)
Fotogenia é uma palavra criada pelo teórico e crítico de cinema Louis Delluc no início do século XX. Ela, fundamentalmente, determina a propriedade de metamorfose, que somente a sétima arte exerce sobre o homem e a sociedade que o envolve. A fotogenia estabelece que na tela grande as características mais profundas, mais tocantes e mais sedutoras não se manifestam de maneira evidente, ao contrário, se encontram de forma singela e fugaz no movimento. Fazendo-se de modo quase místico, ela, a fotogenia, a essência fundamental responsável por inebriar e encantar o expectador.
Dessa forma, com o passar das décadas, roteiristas e diretores como o russo Pavel Lungin inclinaram-se sobre a fotogenia dispostos a explorar e entender esse primordial elemento. Seu primeiro trabalho como diretor e roteirista o filme Taxi Blues (1990), levou-o a alcançar notoriedade internacional ao ser laureado em Cannes com o prêmio de melhor diretor. Desde então Lungin consolidou uma notável simplicidade aparente na direção e roteiro de suas obras para tratar de temáticas com profundo teor emocional e psicológico. Em Dirizhyor (2012) o diretor apresenta uma angustiante descida ao recôncavo dos sentimentos de um pai que de forma trágica perde o filho.
Vyacheslav Petrov é um aclamado maestro russo que está levando sua orquestra a Jerusalém para apresentar o famoso oratório de Johann Sebastian Bach, A paixão segundo são Mateus. Noites antes da viagem, Petrov recebe um fax de seu filho, que o obriga a antecipar a sua viagem à terra santa. Uma vez em Jerusalém, dirige-se ao endereço contido no fax e, ao chegar nesse lugar, depara-se com o corpo de seu filho que havia cometido suicídio na véspera de sua chegada. Em estado de choque, Petrov enterra seu filho ao passo que examina mentalmente toda a história da conturbada relação que possuía com ele.
Dez anos antes o filho havia saído de casa decidido a ser artista, enquanto Petrov afirmava que essa decisão era somente uma desculpa que o filho arrumara para não trabalhar e ter suas despesas bancadas pelo pai. Petrov então decide que não ajudará o filho, decide que a melhor forma de mostrar o quanto o ama não é tentar entender a situação com ternura, mas sim ser firme. Acredita que desta forma educará o filho para que se torne um homem capaz e independente. Dez anos depois a ausência paternal leva o filho a tirar a própria vida. “Pai, me perdoe por morrer. Eu não vou fazer isso de novo”, com essas palavras o filho finaliza a sua derradeira carta e então Petrov, em plena Jerusalém, impossibilitado de amar novamente seu filho, e com uma espada de dor transpassando seu peito, é lançado ao inferno.
Se o inferno é “o sofrimento por não poder mais amar”, como define Dostoiévski em Os irmãos Karamázov, o filho condena o pai ao inferno ao prendê-lo em uma recordação onde não amou da melhor forma que seria capaz. Imputa sobre ele o sofrimento eterno ao lembrá-lo que a forma de amor que optou conscientemente em dar ao filho foi a responsável por ele agora não ter mais a chance de fazer diferente. Existem palavras para definir várias dores causadas pela perca, no entanto, a dor resultante da morte de um filho é inominável não existindo uma palavra que a defina. Por conseguinte, o filme demanda sobre a trilha sonora a nobre tarefa de designar a escala de dor em um penitente coração.
“Contrição e arrependimento torturam o meu coração culpável”, diz A paixão segundo São Mateus ainda em seus minutos iniciais. O oratório composto por Bach, a mesma peça que Petrov ensaiava com sua orquestra para apresentar em Jerusalém, é a trilha sonora do filme. A abundância dramática que essa obra-prima do compositor clássico carrega eleva, de forma poética, a uma potência acima, toda dor e angustia presentes no roteiro. A exímia execução da trilha para o filme é de autoria do musicista erudito e bispo ortodoxo russo Hilarion Alfeyev.
O diretor e roteirista Pavel Lungin possui uma filmografia repleta de coragem. Lungin conscientemente desenvolveu e aperfeiçoou sua própria assinatura. Seus filmes apresentam um consciente e notável domínio da fotogenia. O diretor valida em sua obra a sabedoria de que a essência primordial do cinema não está nos efeitos especiais, muito menos em roteiros complexos e catárticos que usam como escudo, em seus textos, diversas explicações, mas que em seu âmago são vazios. Em Dirizhyor (2012), não é exagero dizer, Lungin sintetiza toda a sua experiência para desenvolver a sua obra mais ambiciosa até então.
A narrativa busca no maestro seu fio condutor, mas não se prende somente a ele. No decorrer do enredo somos apresentados a dois outros conflitos que acontecem entre os integrantes da orquestra que irão se apresentar em Jerusalém. Em seu tempo de duração o longa, além da dor que sofre o maestro, discorre sobre temas morais como casamento, fidelidade e sinceridade. Todos os arcos de dor que o filme trabalha tem em comum a impossibilidade humana de prever, com perfeita exatidão, a consequência das decisões que tomamos independentemente do quão bem-intencionadas elas sejam.
Socialmente, principalmente na sociedade ocidental, o tema da morte em geral é quase um tabu. Apresentando de um forma simples, consciente e profunda um pai que é atirado em um dos círculos do inferno após o suicídio de seu filho Dirizhyor (2012) valentemente aguça assuntos por diversas vezes adormecidos dentro do expectador. Um filme que carrega em seu eixo central a matéria base mais autentica do cinema. Um elegante longa que não implora por atenção, mas que presenteia, aos que lhe dedicam o tempo, com oportunas e profundas reflexões.
Ficha Técnica: Título: Dirizhyor | Ano: 2012 | Dirigido por: Pavel Lungin | Produção: Pavel Lungin | Duração: 87 minutos
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