Crítica | Rare Exports: A Christmas Tale (2010)
Tornou-se recorrente no tempo próximo ao natal o lançamento de filmes com o texto, ou subtexto, natalino. Alguns filmes desse período ficaram gravados na cultura de massa. Por isso, facilmente nos lembramos de como Home alone (1990) e How the Grinch Stole Christmas (2000) arrancaram, e arrancam, gargalhadas. Lembramos também como Die Hard (1988) nos apresentou um dos personagens mais badass do cinema.
Contudo, não são somente os gêneros comédia e ação que se beneficiam do tema do natal para desenvolver obras audiovisuais. Filmes como Black Christmas (1974), Saint (2010), Krampus (2015) e o recente – e impressionante - Christmas Bloody Christmas (2022) expõe a existência de uma variedade de subgêneros, principalmente do terror, tanto para filmes lançados no cinema como para os lançados em Home Video, que absorvem para si a temática natalina. O nicho de subgêneros de filmes natalinos tem uma vivacidade de conceitos que impressiona e valem a pena serem explorados pelos cinéfilos de plantão.
Ao falarmos de natal, paralelamente, falamos também de um dos mais icônicos personagens natalinos: O Papai Noel. Existem também uma gama de filmes onde o bom velhinho é protagonista e não somente o espirito de natal é usado como plano de fundo. Um dos mais notórios Santa Claus Conquers the Martians (1964) marca a primeira aparição da Mamãe Noel em um longa-metragem. O filme, que possui um roteiro no mínimo excêntrico, desenvolve uma história onde o povo marciano percebendo que suas crianças estão ficando tristes decidem que uma ótima forma de remediar a situação é vir à terra e sequestrar o Papai Noel, para que ele leve alegria para o seu planeta.
Em 2003 um curta-metragem Finlandês intitulado Rare Exports Inc foi lançado. A obra audiovisual trazia, também, o personagem do Papai Noel como centro de seu enredo. Na obra, o expectador foi apresentado à ideia de que o Papai Noel, na verdade, seria uma espécie de animal selvagem que vive no norte da Lapônia e precisa ser caçado e domesticado para, então, desempenhar suas obrigações natalinas. O curta, que possui um pouco mais que 7 minutos, objetivamente apresenta sua ideia e consegue imergir o expectador em seu imaginário.
O sucesso do curta rendeu uma continuação. Rare Exports: The Official Safety Instructions, um curta-metragem com 10 minutos de duração, foi promovido no ano de 2005 e levava o expectador, de uma maneira mais agressiva e expansiva, novamente ao universo criado no primeiro curta. Em 2010 os curtas deram origem ao longa Rare Exports: A Christmas Tale. Filme dirigido e roteirizado por Jalmari e Juuso Helander.
No topo do monte Korvatunturi na região finlandesa da Lapônia uma empresa realiza misteriosas perfurações. Passando-se o tempo, a fauna da região é alterada devido as várias explosões, o que acaba atrapalhando os caçadores da região que dependem da caça de renas para sobreviver. Na véspera do natal um idoso nu e que possui uma longa barba branca cai em uma armadilha engendrada por um dos caçadores. Inicialmente imagina-se tratar de um dos pesquisadores que estavam trabalhando ali perto. Entretanto, todas as tentativas de comunicação com o misterioso personagem são frustradas. Em um determinado momento Juuso, o filho de um dos caçadores, consegue extrair algumas reações do misterioso homem e então levanta-se a hipótese de que, na verdade, aquele idoso trata-se do Papai Noel.
O filme atua em duas frentes. A primeira, supondo que o expectador tenha assistido aos curtas-metragens e a segunda, supondo que é a primeira vez que o expectador está tendo acesso ao conceito daquele universo. Essa dualidade funciona bem. Uma vez que, para quem já conhece os curtas a quantidade de perguntas e contradições que ele encontra no roteiro, que julgava por antecipação conhecer a premissa, fazem com que esse expectador seja surpreendido pela sagacidade do texto, que se nega, a deixar quem já conhecia os curtas em uma zona de conforto.
A linguagem visual adotada segue algumas convenções de gêneros. Sim, eu disse algumas, no plural. Da mesma forma que o enredo gera desconforto em quem conhece os curtas o diretor desenha de forma clara os três arcos e trabalha a estética para gerar desconforto, no bom sentido do termo, no expectador que não conhece a premissa.
O primeiro arco é construído como um suspense/terror, com cortes sugestivos, closes e trilha sonora indicando a essência do longa. Porém, no segundo ato há uma ruptura com o que vinha sendo construído. Aqui o diretor propõe um humor acido refinado contrastando com o terror que estava sendo sugerido. Mas, a maior quebra se encontra no terceiro ato. O Diretor junta as pontas soltas do roteiro enquanto transforma o longa em um emocionante filme de ação e aventura.
Ainda sobre as convenções de gênero. Os duendes apresentados carregam características que remetem aos filmes de zumbis, com um detalhe, que aqui eles têm comportamento de abelhas, uma vez que dependem da “rainha”, aqui o Papai Noel, viva para se manterem ativos e organizados. Os planos utilizados possuem sempre muita nitidez e profundidade o que induz o expectador a crer que tudo está sendo mostrado. E em todos os planos são possíveis ver mais de um personagem, deixando claro que independente do enredo o diretor pretende fazer um filme de natal que fala de união entre familiares e amigos.
Como curiosidade, a ideia de um mito folclórico ser um animal selvagem domesticado não é nova. No Brasil, por exemplo, temos o caso do Saci Pererê que em algumas regiões do interior do Brasil dizem existirem fazendas de Sacis. Onde eles são criados e domesticados até atingirem a maturidade. Com certeza, existem premissas parecidas com vários mitos ao redor do mundo.
Rare Exports: A Christmas Tale é um filme que brinca e incomoda o expectador. Mostrando ao mundo um conceito que se passa na Lapônia, onde, aliás, está localizada, na realidade, a casa do Papai Noel. Mistura diversos símbolos orientais e ocidentais a respeito do natal com gêneros e subgêneros do cinema, em seu subtexto, para nos mostrar que com genialidade e coragem uma grande história pode ser desenvolvida utilizando premissas já conhecidas.
Ficha Técnica: Título: Rare Exports: A Christmas Tale | Ano: 2010 | Dirigido por: Jalmari Helander | Produção: Petri Jokiranta | Duração: 82 minutos
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