Crítica | El Quinto Mandamiento (2012)

 




Metáforas, em absoluto, não são confiáveis. O mundo moderno, entretanto, nos condiciona a olhar para as obras audiovisuais partindo do princípio de que são grandes metáforas esperando para serem desvendadas. Não existem maneiras corretas ou incorretas para se olhar uma obra audiovisual. Com isso, entende-se, que não se pode assumir uma regra genérica e aplicar em todas as obras o mesmo conceito de pensamento.

El Quinto Mandamiento é um filme mexicano de 2012 escrito e dirigido por Rafa Lara. Um filme que não se entrega ao desejo moderno de carregar diversas interpretações em seu texto. Uma obra que não deixa as metáforas tomarem corpo a ponto de se tornarem o próprio texto. Com isso, não digo que elas não existam, mas pelo contrário. Elas existem, mas estão dentro do corpo do subtexto da obra, em um nível que não carregam toda a atenção para si. Em um nível que deixam a obra existir por si.

Uma sequência de assassinatos ocorre na Cidade do México. Todas as pistas levam a crer que os homicídios estão sendo cometidos pela mesma pessoa: O matador da Cruz. Um Serial Killer que após estuprar e matar suas vítimas, todas do sexo feminino com idades entre 16 e 18 anos, grava em suas costas, com um punhal, o símbolo da cruz. Nenhuma pista substancial é encontrada. Entretanto, o departamento de detetives está mobilizado para encontrar o autor dos assassinatos.

O filme, desde o seu primeiro frame, nos apresenta Victor - O Matador da Cruz. O roteiro o apresenta como um jovem que possui uma grande sensibilidade artística para o desenho. Um jovem, que quando pré-adolescente, aos 12 anos, foi molestado sexualmente pelo padre da paroquia que sua mãe frequentava. Esse incidente marcou, da pior forma possível, sua vida e sua mente. Victor, através de uma leitura deturpada das escrituras, acredita se encontrar em uma cruzada santa. Matando essas jovens ele estaria fazendo, segundo suas palavras: “morrer tudo que é impuro, tudo que traz a ira de Deus”.

El Quinto Mandamiento começa com a câmera em close no rosto de Victor, ele olha fixamente para a câmera e faz uma pergunta. A pergunta é seguida de várias informações carregadas por um tom confessional do personagem. Essa quebra da quarta parede, seguido de um monologo, emergem de forma imediata o expectador na obra, uma vez que, todas as falas parecem estar sendo direcionada ao expectador, afinal, nenhum contexto ainda foi desenvolvido.

Entende-se desde o primeiro momento que o diretor Rafa Lara deseja colocar o expectador como observador onisciente dos acontecimentos. Nenhum ponto de vista é sugerido pelo diretor. Todos os pontos são somente apresentados ao expectador, que tirará suas próprias conclusões. É interessante perceber como através desta escolha de linguagem audiovisual o diretor interage com a capacidade narrativa da mente do expectador.

Quando digo - capacidade narrativa da mente - eu me refiro a toda a bagagem cultural, a todas as experiências sensoriais, físicas e espirituais que a mente do expectador carrega e o ajudam a construir a lógica para a narrativa da obra audiovisual que está sendo assistida. Sabe-se que não é necessário possuir grandes conhecimentos para se assistir um filme ou desfrutar de uma obra de arte, afinal a interpretação não é o objetivo fim da arte. Entretanto, algumas bagagens podem favorecer, principalmente em filmes que tratam sobre temas específicos.

O filme em questão lida com temas sensíveis e ao deixar o expectador a vontade para tirar suas próprias conclusões, ele abre um leque que alcança diversas capacidades narrativas da mente: a mãe que rezava um terço com o filho quando ele era criança ou o filho que apanhava para rezar o terço. Os adultos que acreditam em adultos e colocam em dúvida a palavra de uma criança. As crianças que não tem sua voz ouvida pelos adultos. O padre que comete um crime e se aproveita da impunidade para continuar cometendo atrocidades. O policial com problemas pessoais, que o fazem querer desistir, mas que precisa colocar a vida das vítimas acima da sua e localizar o culpado pelos crimes. A pessoa que quer ser amada. A pessoa que quer salvação.

Acredito que de forma consciente a decisão por essa forma de traduzir o roteiro para a tela foi adotada pelo diretor, de modo a deixar o expectador desconfortável. Uma vez que, filmando de maneira abertamente impessoal ele propõe diversos pontos de vista narrativos que podem ser acolhidos por uma variedade de capacidades narrativas da mente. Sendo assim, com essa obra o expectador não fica passivo. Ao acessar a narração da mente de cada expectador o diretor consegue gerar reações físicas, seja desprezo, nojo, repulsa ou medo, que vão ao encontro das vivências e verdades que cada expectador carrega dentro de si.

Se mantendo neutro em relação à opiniões o longa mexicano apresenta um personagem complexo que se encontra em um momento de extrema confusão. O personagem também é desenvolvido através de camadas. Ele visivelmente está doente, mentalmente falando, e divaga entre a realidade que sua mãe lhe impunha, a realidade que o Padre, que abusou sexualmente, mentalmente e espiritualmente dele, lhe compelia e à sua própria realidade enquanto individuo. Para Victor o passado nunca ficou no passado. Ele é latente no presente.

A neutralidade do diretor beneficia o longa o deixando o mais coeso possível, uma vez que os cortes e as sequencias são imparciais, não permitindo que a esquizofrenia do assassino penetre no filme. Essa imparcialidade se enraizar em todas as esferas do longa a mais notável é na questão geográfica. O filme literalmente poderia se passar em qualquer cidade.O longa não faz questão de apresentar ao expectador de uma forma enfática onde está se passando o enredo, não estigmatizando um local e declarando abertamente que a história em questão poderia se passar em qualquer lugar. De fato, fazendo do expectador um observador sem influências, uma vez, que o filme não assume lados.

El Quinto Mandamiento é um filme coerente com sua proposta. Apresentando através de diversos ângulos o mal que habita à humanidade. Deixa claro, que todas as histórias têm pontos de vistas, que por vezes, são cegos.



Ficha Técnica: Título: El Quinto Mandamiento | Ano: 2012 | Dirigido por: Rafa Lara | Produção: Jorge Aguirre | Duração: 93 minutos







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