Crítica | Pig (2021)


 

O nome e sobrenome de uma pessoa carregam com eles diversos pesos. Portanto, ao falar nome e sobrenome não me refiro apenas a sua forma fonética e gramatical. Refiro-me a toda autoridade, influencia e motivação que o nome de uma pessoa pode ser portador. Dito isso, poucos atores conseguiram, e conseguem, manter seus nomes relevantes, por tantos anos em tantos mercados, como Nicolas Cage.

Cage começou sua carreira no cinema nos anos 80 e em 1995 foi laureado, o que pode ser um choque para a jovem geração que conhece Cage apenas por memes, com o oscar de melhor ator pelo inebriante filme Leaving Las Vegas. De 2010 até 2020 o ator se afastou do cinema de Hollywood e se dedicou a dezenas de produções independentes que foram lançadas, em sua maior parte, direto para vídeo e Streaming.

Mesmo em produções independentes o prestígio de seu nome gerava curiosidade em parte dos expectadores que assistiram a essas produções devido à presença do ator. Esse momento de sua carreira gerou diversos filmes, alguns que possivelmente vieram a ser esquecidos pela plateia. Em 2021 aconteceu o lançamento, em cinemas dos Estados Unidos, do filme Pig. Filme este que trouxe o nome de Nicolas Cage novamente para as canetas da mídia especializada e dos críticos.

Cage é um amante declarado da arte de atuar e do cinema. Independente do papel e do filme ele sempre deixou claro que estava entregue ao trabalho. Em 2021 o ator concedeu uma entrevista para a revista Variety onde afirma que abandou Hollywood por se irritar com as limitações comerciais impostas à sua atuação. Isso nos apresenta um claro contorno do caráter do homem que tem Copolla em seu sobrenome de batismo, mas que, por querer subir os degraus com o próprio esforço, mudou seu nome para Cage.

Como por uma reviravolta cósmica no momento em que escrevo esse texto Nicolas Cage novamente está em alta. Após o lançamento de Pig (2021), sobre o qual essa critica se propõe a falar. Atuou em The Unbearable Weight of Massive Talent (2022), filme no qual interpreta ele mesmo e em Renfield (2023) filme em que interpreta o conde Drácula.

Esses dois últimos filmes foram produzidos por grandes produtoras e distribuídos às salas de cinema. Ambos são, de certa forma, consequências do filme Pig (2021) que mostrou, ou lembrou, aos grandes produtores que Cage não é somente um ator excêntrico que não gosta de ser regrado, mas sim um ator entregue ao seu trabalho, que exige liberdade de criação, independente do tamanho e repercussão que a obra tiver. Não posso deixar de mencionar também que o ator irá aparecer em The Flash (2023) fazendo o papel de superman, o mesmo superman que teve o filme, que seria dirigido por Tim Burton, cancelado em 1998.

Pig apresenta a história de Rob. Um solitário homem que vive em uma pequena cabana no meio da floresta do Oregon. Rob possui como companhia somente uma porca trufada, ou seja, uma porca caçadora de trufas – trufas são uma espécie de fungo que nascem na raiz de algumas árvores, é rara, cara e extremamente valorizada por chefes de cozinha. Rob e sua companheira desfrutam de uma harmoniosa paz. Um dia, no meio da noite, Rob tem sua cabana invadida, é agredido e sua porca é roubada.

Temos então a sinopse do filme. A primeira vista somos condicionados a imaginar um filme de lobo solitário que realizará um resgate aos moldes de Taken (2008) ou um filme de vingança ao estilo de John Wick (2014). Entretanto, de forma paciente, compassada e, por vezes, contemplativa o diretor e também roteirista Michael Sarnoski realiza quebras na expectativa no espectador que pressupõe no início da jornada do personagem já conhecer a história que será contada.

No desenvolver da narrativa descobrimos que o nome completo de Rob é Robin Feld um ex-chefe de cozinha muito conceituado que foi dono de um dos restaurantes mais famosos e requintados da cidade de Portland e que há 15 anos simplesmente desapareceu da cidade. Enquanto Rob vai atrás de seus antigos contatos na cidade para descobrir quem mandou roubar sua porca o enredo nos leva para um passeio pelo submundo das cozinhas de Portland.

O diretor não tem presa em desenvolver a história. Valorizando os silêncios, transições sobrepostas, câmeras com movimentos prolongados e uma fotografia com tons levemente desbotados ele apresenta um filme sobre sentimentos, lembranças, luto, amadurecimento, conflitos internos e aceitação, utilizando como catalisador dessas sensações a temática da gastronomia. Levando o espectador, inconscientemente, a reviver memórias nas quais a comida foi precursora de celebres momentos.

Logo, o filme é uma grata mistura entre uma história que no primeiro momento parece já ter sido contata com filmes que tratam sobre a arte da culinária. Aliás, dando seguimento nesse paralelo, a “arma” de Rob para conseguir informações a respeito de sua porca são as memórias e sentimentos que os outros carregam. Rob usa contra eles suas próprias emoções e verdades. Fazendo com que rememorando momentos marcantes e autênticos fiquem sensíveis e lhe deem a informação que precisa.

Nicolas Cage entrega uma compenetrante atuação. Uma performance que nasce e se desenvolve no silêncio. Apresentando ao espectador um personagem que vive em um passado sem nunca ter tido forças de sair dele. Um personagem ferido que descobre que o ódio, principalmente por si mesmo, é uma força mais aprisionadora que o amor. Portando, busca com toda sua força se agarrar aos pequenos amores que ainda possui na esperança de que possam sufocar suas dores internas. Um indivíduo que ao desenterrar o seu nome, que há muito havia ocultado, e reviver ciclos de seu passado tem uma epifania.

Existem quatro gostos básicos do paladar: doce, azedo, amargo e salgado. Na culinária japonesa acredita-se em um quinto gosto: Umami – que significa essência da delícia. Não se sente Umami de uma forma objetiva como os outros quatro gostos básicos. Entretanto, quando sentido, o Umami tem uma permanecia maior no paladar. Pig é Umami. Quando os créditos rolam e todas as quebras de expectativa que vivenciamos são absorvidas o gosto continua nos acompanhando por um longo tempo.


Ficha Técnica: Título: Pig | Ano: 2021 | Dirigido por: Michael Sarnoski | Produção: David Carrico, Adam Paulsen, Nicolas Cage, Steve Tisch, Vanessa Block,Dimitra Tsingou,Thomas Benski, Ben Giladi, Dori A. Rath, Joseph Restaino | Duração: 92 minutos








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